Editorial
No ambiente caseiro, microcosmo da realidade universal, estão contidas todas as atividades do homem, desde o nascimento, passando pelas primeiras descobertas – o andar, falar e pensar – até a sua expressividade madura, que ocorre em ressonância com o espaço. A casa é a própria identidade do sujeito, se revela como espelho dos movimentos de seu mundo psíquico e emocional, servindo-lhe ainda de roupagem para seus corpos. O lar é onde se encontra o coração e, mais do que isso, ele pulsa como um organismo vivo.
As casas refletem nossos interesses, crenças, temores, desejos e contam como nos sentimos em relação a todas as coisas, sejam elas internas ou representativas do mundo à nossa volta. A casa é muito mais do que o local onde nos protegemos e descansamos; ela proporciona um diálogo com o universo, como ponto axial de encontro do espaço/tempo.
A casa é um organismo vital, permanentemente em relação com seus moradores. Cada cômodo respira em uma atmosfera arquetípica e simbólica, ressoando na vida íntima de seus habitantes. Ao permear nossos espaços vitais com o sentido de ordem cósmica, estamos atraindo integridade às nossas casas e, na mesma medida, gerando as condições de habitar o Eu, em consonância com o próprio fluxo da criação do mundo.
Principal envoltório do ser humano, a casa atua em correspondência com as emanações da subjetividade (pensamentos e emoções), concentrando em si uma importância fundamental na formação da criança (que chega ao mundo em uma casa) e que se amplia, progressivamente, para a idade adulta, numa atuação direta nas relações do homem com o meio e consigo mesmo.
Percebendo a importância do espaço doméstico na vida humana, deu-se início ao projeto que procura desvendar as relações entre casa e ser humano para a composição de um texto literário que resultou no livro Oikospoética: a tecelagem literária de retorno ao lar, contemplado no edital ProAC 19/2021. O primeiro número da Revista Héstia acompanha a proposta delineada no livro e lança como tema “a Casa como território existencial de criação do mundo”, oferecendo a outros autores a possibilidade de igualmente pensarem sobre casa-mundo-sujeito. Além disso, a Revista Héstia atende à proposta de contrapartida ao apoio recebido dos editais ProAC.
A pesquisa sobre a casa como espaço de resistência e ação criativa no mundo se insere na corrente de um movimento de constatação dos impactos causados pelo homem à Gaia no presente momento histórico, sejam eles ambientais, sociais ou espirituais, mas principalmente de enfrentamento à desorientação humana, decorrente dessas marcas profundas que podem ser lidas na terra, no ar, nos corpos, nas paisagens, nas mais variadas obras, nas florestas e construções. Acreditamos que um projeto estético de responsabilidade ética tem a potência de atenuar o desgaste existencial que acomete a consciência e a alma coletivas, não por uma ação que alcance diretamente o maior número de pessoas, mas por acreditar que cada ação humana reverbera na totalidade dos seres.
A Revista Héstia é, portanto, a possível proposta estética de ação no mundo. Recebemos textos dos mais variados autores brasileiros e agradecemos a todos que acreditaram em uma revista tão jovem e que decidiram colaborar com suas produções. Foram 130 textos recebidos e lidos pela equipe que atua na Koré Editorial, além de avaliadores convidados.
Desejamos que este não seja um volume único e que a revista possa ganhar vida longa, ampliando para outros temas de igual importância.
Carol Diniz Bernardes
Editora
A Revista Héstia é uma contrapartida ao apoio recebido do edital 19/2021 da Secretaria de Cultura e Economia Criativa do Estado de São Paulo – ProAC – para a produção do livro Oikospoética: a tecelagem literária de retorno ao lar.