Resenha
Os Lares de Laura,
de Viviane Ferreira Santiago
Lar? O que podemos chamar de lar? Como definido em diversos dicionários, uma casa, um abrigo, o local onde vivemos e nos sentimos à vontade. Metaforicamente, tratamos como lar qualquer sentimento que nos abrace e nos envolva em perfeita harmonia. Mas o que podemos falar sobre este quando perdemos o chão constantemente, dadas as circunstâncias que a vida nos impõe?
Esta é somente uma das premissas que encontramos na obra Os Lares de Laura, de Viviane Santiago.
Laura é a protagonista que carrega consigo o espírito bravo de tantas mulheres de nossa sociedade. Ao passo que demonstra sua força com um poder de superação sem fim, haja vista todos os percalços que atravessa desde seu próprio nascimento, a jovem mostra uma delicadeza que nos faz querer abraça-la a cada evento narrado. E cabe aqui dizer que, ao falar de seu nascimento, a dita citação é concreta, uma vez que o primeiro lar da personagem é desfeito em vista da ausência do que se espera.
Não posso entrar em detalhes, obviamente, para não desfazer o sabor da leitura, mas Laura encontra abrigo nas mais adversas situações, seja num abrigo ou trabalho temporário, ou até mesmo nos braços de homens que possuem uma conduta um tanto questionável.
Um fato que pode ser observado na narrativa é a forma como a própria vida se encaminha de dar rumo aos passos da personagem, muitas vezes não cabendo a ela certas escolhas, onde tempo e espaço não são vias alternativas, e sim vias obrigatórias para se alcançar outro ponto ou outro estágio da vida. A infância, jovialidade e o envelhecer mostram facetas que nos leva a refletir como certos episódios nos marcam a ponto de criarem bloqueios em ações que devemos tomar em dados momentos. Muitas vezes Laura aprende algo, mas este mesmo aprendizado a impede de dar passos mais confiantes.
Em diversos pontos da história de Laura — ou caberia dizer “Lauras”, já que a mesma vai se transformando —, Vivianne Santiago nos leva a um misto de sentimentos que culmina em lágrimas, uma vez que nos coloquemos na pele da protagonista ou daqueles que a cercam e a estimam, como Caramelo, personagem que tem um papel singular nesta história. A ambientação e construção dos cenários e clima são pontuais, grandes complementos para moldar a atmosfera que vai se criando, e isso traz ao leitor uma expectativa do que pode se desenrolar entre os personagens, criando por vezes um clima tórrido de romance, a pureza de um possível beijo casto, ou mesmo o suspense e temeridade de algo que possa vir a acontecer.
Laura, em suas diversas moradas, representa a vida das mulheres e muitos de seus enfrentamentos. O livro aborda pautas delicadas e necessárias, desde as condições sociais, o exacerbado machismo, o preconceito em suas mais tristes facetas, obsessões, entre outros. Mas, acima de tudo, Os Lares de Laura é uma ode sobre o abandono. Abandono físico, figurativo e psicológico. Nada pode se comunicar tão bem com esse tema quanto esta obra, que acompanha a personagem construindo e desconstruindo suas raízes, se redescobrindo como jovem, trabalhadora, mãe e esposa, mas nunca deixando de lado sua personalidade, seu “eu” como mulher. A construção da personagem é sensacional, e seu elo com o passado e com seus sonhos juvenis são narrados de forma tão tocante que dificilmente não alcançará o coração de um leitor atento.
Cabe a mim finalizar esta sutil análise dizendo que este não é um romance simplesmente, não é um suspense, tampouco uma mera ficção. Os Lares de Laura é uma experiência humana plausível em quaisquer localidades deste nosso Brasil, uma história que pode se comunicar com muitos homens e mulheres. É um livro com começo, meio e fim, pleno, e com emoções fortes do primeiro ao último capítulo.
Apaixonem-se por Laura e acompanhem mais esta maravilhosa obra da autora, que é plena e consciente de seus objetivos narrativos ao nos entregar esta história incrível.
Walter Cavalcanti
É professor, resenhista e escritor.
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@walter.revisorliterario