Prosa 1
Em Casa
Retornar para casa é seu porto seguro – parece um lugar comum, mas é o que realmente sente, já no elevador, com a chave à mão, os olhos fechados e a respiração mais profunda.
O elevador é a sua antessala, é o momento de abandonar o movimento do dia, os pensamentos agitados; mesmo que, num lance de falta de sorte, o elevador possa parar, estará a um passo da calmaria, rodeada dos objetos que lhe trazem lembranças macias, abandonando qualquer incerteza impregnada ao longo do dia.
Refaz na memória o caminho até a porta de casa, e sorri ao pensar no que lhe aguarda logo ao adentrar na sala; sabe de cor todos seus objetos, adquiridos aos poucos entre um ou outro período de férias ou quando cismava que tinha que dar à casa o seu rosto, a sua energia.
Ainda no elevador, o espelho chama atenção para sua face pálida – há quanto tempo deixara de se expor ao sol? O sol sempre lhe trouxera calor – não o que queima a pele, mas o fogo interno que acalenta, que seduz. Tenta se ver sem julgamentos, mas o craquelado da maquiagem desfeita, os contornos borrados e não retocados – num dia apressado como o que tivera – apenas lhe confirmam a necessidade de chegar em casa e ser massageada pelo olhar curioso de cada objeto.
Dessa vez, ao entrar em casa, seu olhar pousa no que considera sua comissão de frente: as inúmeras peças artesanais que compõem sua trajetória, lembrando que sua casa é o que leva dentro de si. Não lembra como adquiriu tantas, nem porque, mas são elas que lhe dão as boas-vindas, suas companheiras coloridas com olhar um pouco esbugalhado – dependendo do material em que foram esculpidas, se em barro, papier marché, cabaça... São brancas ou morenas, com cabelos compridos ou encarapinhados, mas sempre com roupas coloridas que remetem à chita ou outro tecido barato. Com saias rodadas ou peças meio busto, são as bonecas que brindam sua chegada, num cumprimento doce e agradecido, à sua espera, todos os dias.
São companheiras dispostas em vários cantos da sala para espalhar vida no seu retiro, lembrando a espera delicada com que foram manuseadas e a época em que eram reais e, na falta do que fazer, dançavam, fofocavam à janela, bisbilhotavam a vida alheia, flertavam com os moços que desfilavam na rua e que não queriam compromisso, ou esperavam os maridos - até aos que possivelmente tinham outras deixadas à janela, depois de uma tarde suculenta...
Repousadas em console ou prateleira, essas moças sorriem quando a porta se abre, num convite ao devaneio ou à saudade que rasga o peito, compartilhando momentos, ainda
assim, deliciosamente calmos.
São namoradeiras de épocas difíceis, que, transformadas em amigas de jornada, sorriem dizendo-lhe: vá à luta, não esmoreça, um dia de cada vez... Resta-lhe olhar de volta, inspirar-se nos olhares delicadamente divertidos, agora fixados na sua presença, e sorrir: Está em casa.
Goretti Giaquinto
É arquiteta, ama planejar as palavras
com criatividade e insiste em ser escritora.
Instagram:
@gore_giaquinto